A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado.
Com base nesse entendimento, a 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou uma seguradora a pagar a indenização, prevista em um contrato de seguro de vida, à mulher de um segurado que morreu após sofrer um infarto.
De acordo com os autos, a seguradora negou o pagamento da cobertura securitária apontando o diagnóstico de uma doença cardíaca preexistente à contratação do seguro, que seria de conhecimento do segurado e não teria sido declarada no momento da assinatura do contrato.
No entanto, a esposa do segurado, representada pela advogada Francine Larissa Faustino Ito, alegou que a seguradora deixou de exigir a realização de exames médicos prévios à contratação e que não restaram comprovadas a má-fé, a existência de doença anterior ou que a morte foi motivada por doença preexistente.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância, mas o TJ-SP reformou em parte a sentença. Para o relator do acórdão, desembargador Afonso Braz, a seguradora não provou que o segurado teria agido de má-fé à época da contratação, não havendo comprovação de que foram solicitados exames clínicos prévios para verificar seu estado de saúde, “de modo que a ré aceitou a declaração de que o segurado estava em perfeitas condições de saúde”.
“A seguradora somente se exonera do dever de pagar a indenização contratada ao beneficiário, sob a alegação de doença preexistente não declarada no momento do pacto, quando comprovada a má-fé ou intenção dolosa do declarante ao omitir sua condição para que o beneficiário receba o valor da indenização, ainda que a morte tenha decorrido de causa preexistente”, afirmou o magistrado.
Conforme Braz, cabe à seguradora, no momento da contratação, exigir exames médicos prévios para averiguar o estado de saúde do segurado, sob pena de assumir os riscos do contrato e ser responsabilizada pelo pagamento da indenização pactuada. O relator afirmou ainda que o contrato de seguro deve ser pautado pelo princípio da boa-fé contratual, principalmente os deveres de informação, lealdade e de cooperação.
“O Código de Defesa do Consumidor deve ser aplicado ao caso e, conforme disposto em seu artigo 6º, inciso III, a informação adequada e clara constitui direito básico do consumidor, devendo o produto ou serviço especificar todas as características importantes para que o aderente manifeste livremente sua vontade, sabendo exatamente o que dele esperar, no momento da contratação”, acrescentou.
Desse modo, prosseguiu Braz, ausente prova da má-fé do segurado por omissão de doença preexistente no momento da contratação, bem como o fato de a seguradora ter assumido o risco de contratar sem a cautela de exigir exames prévios do estado de saúde, a indenização securitária é devida, no valor do saldo devedor na data do sinistro.
Danos morais negados
O relator, por outro lado, negou o pedido da autora por indenização por danos morais. Segundo Braz, embora a recusa da seguradora ao pagamento da indenização securitária tenha sido indevida, não houve nenhuma ofensa a direito da personalidade da autora ou submissão à situação vexatória.
“A indenização por dano moral não se justifica quando fundada em mero descumprimento contratual. Ainda que se admita o compreensível incômodo causado pela recusa ao pagamento da indenização securitária, caracteriza aborrecimento inerente ao risco negocial, inexistindo ofensa aos direitos da parte capaz de justificar eventual compensação por prejuízo extrapatrimonial”, disse.
Divergência na turma julgadora
O desembargador Irineu Fava, relator sorteado, ficou vencido no julgamento. Ele votou para negar provimento ao recurso da autora. Isso porque, conforme o magistrado, a perícia técnica anexada aos autos indicou que o segurado já havia sofrido dois infartos antes da contratação do seguro e da parada cardíaca que provocou sua morte.
“A despeito de não ter a ré exigido qualquer documento de saúde do segurado, evidente que o segurado agiu de má-fé na medida em que negou a existência da doença grave que o acometeu por duas vezes. Vale dizer, ao tempo da contratação o autor já apresentava moléstia preexistente, o que justifica a recusa do pagamento da indenização”, afirmou Fava.
Fonte: Conjur