STJ vai decidir se planos de saúde são obrigados a cobrir o que não está na lista da ANS; votação está empatada

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O Superior Tribunal de Justiça – STJ retomou nessa quarta-feira (23) o julgamento para definir se a lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS de cobertura obrigatória para planos de saúde é exemplificativa ou taxativa. A decisão pode influenciar como as operadoras cobrem tratamentos a milhões de clientes que necessitam de tratamentos específicos no Brasil, com repercussão direta na vida das pessoas com deficiências. A votação está empatada e foi novamente suspensa após pedido de vista.

O tema é debatido nos Embargos de Divergência em Recurso Especial – EREsp 1.886.929 e 1.889.704. Até o momento, há o voto do relator, ministro Luis Felipe Salomão, considerando o rol taxativo, e um voto-vista considerando o rol da ANS exemplificativo, da ministra Nancy Andrighi. Após o debate, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva pediu vista ao caso.

Por conta da repercussão, o tema chegou a contar com um raro caso de manifestação pública na frente do Tribunal: antes do início do julgamento, ao menos uma dezena de mulheres se acorrentaram na porta do Tribunal, em forma de protesto contra uma possível decisão para tornar o rol taxativo.

Julgamento busca pacificar entendimento no STJ

Os cinco integrantes da Terceira Turma do STJ já haviam definido que o rol tem caráter exemplificativo mas, no final de 2019, a Quarta Turma concluiu que o rol é taxativo e que, caso não houvesse previsão expressa sobre o alcance da cobertura no contrato, valeria o mínimo proposto pela agência reguladora. Agora, a Segunda Seção do STJ, que congrega os 10 ministros das duas turmas, busca pacificar a divergência de entendimentos.

No EResp 1.886.929/SP, Salomão votou por negar provimento, garantindo a necessidade de a operadora do plano de saúde atender a um tratamento. No EREsp 1.889.704/SP, o provimento foi dado em atendimento ao plano de saúde.

Autora do voto-vista apresentado nesta semana, a ministra Nancy Andrighi defendeu a aplicação dos regulamentos da ANS, rejeitando os embargos de divergência. Em longo voto, ela lembrou que é papel constitucional a defesa do consumidor (artigo 17, V, da Constituição Federal) e da promoção da saúde (artigo 196).

“Uma terapia não deixa de ser obrigatória por não estar no rol da ANS – apenas se presume não obrigatória. A obrigatoriedade das terapias que estão ali dispostas advém da identificação técnica feita pelo profissional da saúde, no entendimento de que tal terapia é necessária”, argumentou a ministra em seu voto.

O ministro Salomão voltou a defender sua tese. “Queremos também atender ao pressuposto da Constituição que garante saúde a todos – mas aqui é saúde privada, todos que estão no plano pagam por esse serviço. Uns não podem ter mais do que outros, porque fere o equilíbrio do contrato, porque fere a equação, porque não permite um planejamento adequado, e na hora que alguém precisar, não vai ter”, argumentou. O relator ainda defendeu que sua decisão harmoniza as jurisprudências da Primeira e da Segunda Seção.

Especialista espera justiça e respeito aos direitos humanos

Presidente da Comissão da Pessoa com Deficiência do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a advogada Claudia Grabois Dischon diz que a expectativa é de que haja justiça e respeito aos direitos humanos. “O julgamento repercutirá, sem dúvida, e esperamos que seja para o bem, que controvérsias sejam analisadas à luz dos direitos humanos, dos direitos fundamentais e do direito à vida”, defende.

A discussão impacta fortemente a vida das pessoas com deficiências, segundo a advogada. “São pessoas que têm determinadas condições e necessitam dos serviços das operadoras de saúde, sob pena de graves consequências, algumas explícitas e outras que serão invisibilizadas caso os que pleiteiam o rol taxativo logrem êxito.”

A especialista espera que o STJ decida sobre a obrigatoriedade dos tratamentos não incluídos no rol dos medicamentos e outros procedimentos relacionados à saúde emitidos pela ANS. Inclusive terapias necessárias para o desenvolvimento, vida independente e autonomia das pessoas com deficiência. “Sem as terapias não há a possibilidade de igualdade e equiparação de direitos. Trata-se de acessibilidade, que é um direito fundamental, considerando a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD”, destaca Claudia.

Desequilíbrio apontado por planos de saúde

“No caso em comento, as operadoras de saúde pleiteiam o rol taxativo em detrimento do exemplificativo que os usuários dos serviços, ou seja, os consumidores necessitam. É preciso pontuar que o lucro líquido das operadoras cresce e não há fundamentação para o desequilíbrio. Já existe um grande desequilíbrio no que diz respeito a quem tem ou não acesso às terapias”, frisa Claudia.

O rol taxativo traria ainda mais prejuízos para as pessoas com deficiência e as suas famílias. “A grande maioria paga o plano com grande esforço e, mesmo assim, muitas vezes é necessário acessar o Poder Judiciário. O rol taxativo terá relação direta com a exclusão social de pessoas com deficiência. A equação financeira não fecha, a equação jurídica não fecha e a equação humana tampouco.”

“Melhor seria que no rol taxativo fossem incluídos todos os procedimentos, medicamentos e terapias necessárias para as pessoas com deficiência, tendo em vista que saúde é direito humano, direito fundamental indisponível e inalienável. Saúde para todos que pagam os planos de saúde e o atendimento das necessidades e especificidades já não é fácil, com o rol taxativo teremos menos direitos, menos qualidade de vida, maior exclusão e mais doenças.”

Fonte: IBDFAM

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