Quando o consumidor, parte hipossuficiente da relação, desperdiça seu tempo vital para solucionar problema ocasionado pelo fornecedor dos serviços, inclusive com a necessidade de ingressar com diversas demandas judiciais, é aplicável a “teoria do desvio produtivo”.
Esse foi o entendimento da 28º Vara Cível do Rio de Janeiro ao condenar o Banco Santander ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, em razão de cobranças indevidas na conta do autor da ação.
O autor narrou que, em 2010, aderiu a um plano de previdência privada oferecido pelo gerente do banco. Mas em 2017, quando precisou resgatar o dinheiro aplicado, foi informado que a sua contratação se referia a um seguro de vida e não poderia sacar valores.
Prosseguiu afirmando que ao verificar seus extratos, observou que foram descontados valores com a denominação “Contribuição Previdenciária”, não havendo como saber se tratava de seguro. Sustentou que ingressou por três vezes com ações em face do réu requerendo danos materiais e morais pelos descontos indevidos em sua conta. Mesmo com as determinações judiciais os descontos não cessaram.
Na ação atual se referre aos valores descontados de sua conta entre os meses de janeiro a novembro de 2020. Alegou que os descontos somam cerca de R$ 2 mil, afetando seu sustento já que, diante da pandemia, seus recursos se tornaram escassos.
Na decisão, o juiz Eric Scapim Cunha Brandão pontuou que, em se tratando de falha na prestação de serviços ao consumidor, a responsabilidade do réu é objetiva; logo, ele deveria ter oferecido provas que afastassem o dever de indenizar.
Porém, em nenhum momento, o réu apresentou a apólice de seguro firmado entre as partes. Diante disso, o magistrado constatou que houve desconto indevido de forma reiterada e sem engano justificável, sendo desnecessária a prova da má-fé.
“Assim, a devolução em dobro da quantia indevidamente descontada, na forma do artigo 42, § único do CDC, é medida que se impõe, já que condizendo com o sistema protecionista insculpido no estatuto consumerista”, continuou.
Em relação aos danos morais, o magistrado entendeu pela aplicabilidade da “Teoria do Desvio Produtivo”, de criação do jurista Marcos Dessaune. Explicou que o dano existencial é nítido, assim como a perda do tempo vital, pois é a terceira vez que o consumidor autor necessita demandar ao judiciário pelas mesmas cobranças indevidas. Houve uma exposição do consumidor à perda de tempo excessiva e inútil, na tentativa de solução amigável de problema de responsabilidade do fornecedor.
Foi somente com a intervenção do Judiciário que o consumidor conseguiu ser reparado pelas condutas praticadas pelo fornecedor requerido. Isto tudo considerado, Brandão arbitrou o valor da indenização por danos morais em R$ 8 mil.
Para Marcos Dessaune, o magistrado reconheceu acertadamente a existência do dano existencial no caso concreto. “Conforme sustento na minha teoria aprofundada, o desvio produtivo do consumidor não tem natureza jurídica de dano-resultado, mas sim de dano-evento que gera danos autônomos para o consumidor.”
“Entre eles está o dano moral (lato sensu), como é genericamente chamado o dano extrapatrimonial. Tal dano decorre da lesão ao tempo vital do consumidor, que é o bem jurídico tutelado. Mas considerando que esse tempo é o suporte implícito da vida e que a vida se constitui de atividades existenciais, o ideal é reconhecer que um evento de desvio produtivo gera um dano que, mais do que moral, é existencial pela lesão ao cotidiano e ao projeto de vida da pessoa consumidora”, disse.
0283280-76.2020.8.19.0001
Fonte: Conjur